Hoje trouxemos um relato muito pessoal da Carola Videira, mãe da Maria e do João (que recentemente faleceu) e fundadora da Turma do Jiló que luta por um mundo mais inclusivo e diverso!
Oi Mamães e Papais! O relato que trouxemos hoje, certamente vai tocar o seu coração de inúmeras formas.
Mas, acima de tudo, a mamãe Carola Videira – mãe do João e da Maria – segue realizando um trabalho lindo e importantíssimo abordando o assunto de inclusão social e nos ensinando muito!
Como pais, nós temos que sempre seguir aprendendo, e assim, ajustando nosso discurso e abordagem de diferentes temas com nossos filhos…por mais difíceis que sejam.
A Parentalidade é um aprendizado contínuo também.
Em 2021, a Carola se tornou colunista do Just Real Moms, pois acreditamos ser fundamental o seu trabalho com a Turma do Jiló – que luta por um mundo mais inclusivo e diverso onde ninguém fica para trás!
Carola recentemente perdeu se filho, João, e no post de hoje, relata sua experiência, dores, aprendizados e seu sonho em relação ao seu trabalho com a inclusão social.
Confira abaixo:
Todo tabu tem grande potencial de se transformar em fonte de preconceito. Quando não falamos sobre algo com coragem e sinceridade, abre-se margem para todo tipo de equívoco.
Descobri há pouco tempo que talvez o maior dos tabus contemporâneos seja a morte.
Numa sociedade que busca a alegria sem fim e a imortalidade, falar dela se tornou um crime.
Lamento por isso, pois viveríamos melhor sabendo lidar com a morte. Se é algo inevitável para todos, por que então não nos preparamos para partir ou amparar o luto daqueles que ficam quando alguém amado se vai?
Meu filho, o João, morreu recentemente.
Só eu sei o tamanho da dor que carregam essas palavras, mas eu preciso falar sobre isso com vocês.
Para continuar combatendo o preconceito e a exclusão, que é a base de tudo que construí junto com meu filho, eu preciso falar sobre morrer, pois agora percebo que tenho que lidar com muitas coisas que nunca me ensinaram.
Talvez possamos aprender juntos, mais uma vez, em prol de um futuro melhor para todos.
Em função da síndrome rara que o João conviveu, causadora de múltiplas deficiências, eu tive de lidar desde o seu nascimento com a possibilidade da sua morte.
Isso me deu alguma vantagem sobre a questão, mas a realidade é que uma mãe nunca está realmente preparada para se despedir de um filho. A ideia da inversão da ordem natural das coisas é muito poderosa e difícil de lidar.
Ainda assim, pensar sobre isso fez com que cada segundo ao lado dele fosse completo e infinito.
Tivemos juntos, toda a nossa família, a melhor vida que poderíamos ter com o João. Isso não muda agora no momento de sua morte, passaremos juntos por mais esse desafio.
A vida dele nos ensinou que sempre vale a pena viver.
Atrás de cada desafio existe um universo de descobertas, aprendizados e crescimento. E junto com cada vitória, uma alegria imensa fruto da capacidade de amar e ser amado.
O sentimento de privilégio por ser mãe do João nunca vai passar. Nos despedimos da conexão física, mas ele sempre estará vivo em mim e em todos que o amam e são amados por ele.
Assim, como a vida do João me ensinou a beleza da existência singular de cada ser humano, a morte está me ensinando a força eterna do amor que ultrapassa qualquer dimensão.
Apesar da tristeza, eu, Felipe meu marido e pai do João, minha filha Maria, e toda a nossa família, acrescida dos amigos que atravessaram nosso caminho nos últimos anos no trabalho da Turma do Jiló, estamos criando aos poucos maneiras de seguir celebrando a vida.
Aos poucos, mesmo em meio a dor do luto, retomo meu dia a dia.
Isso não é heroico, não me torna uma mãe especial, nem detentora de uma força singular, é apenas a melhor forma que encontrei de honrar a vida do meu filho. Continuar a viver com todo amor que existe no meu coração, pois foi isso que aprendi ao seu lado.
Outra grande lição que o João me ensinou é que a inclusão para a diversidade tem pressa e temos muito trabalho a fazer.
Por isso, nesse momento, quero falar com vocês sobre outro momento difícil que aprendi nesse processo: infelizmente, até na morte a pessoa com deficiência é violentada pelo capacitismo.
Todos sabemos que o momento da despedida é agudo e nos deixa desnorteado. Muitos tentam ajudar com palavras de carinho, mas não passou despercebido uma série de expressões preconceituosas que ainda agora são difíceis de assimilar e por isso precisam ser falados para aprendermos e evitá-las:
“Ele agora descansou do seu sofrimento e você vai poder viver”, como se a vida dele se resumisse aos desafios das deficiências ou eu estivesse livre de um fardo.
“No céu ele vai ficar livre dessa cadeira”, como se as ferramentas que facilitaram a sua vida fossem um castigo.
Algumas ainda mais doloridas como “ainda bem que você tem outro filho saudável ou você é jovem, dá tempo de ter outro filho.” Como se o João fosse de alguma forma substituível, como um brinquedo quebrado.
Apesar de saber que não existe nenhuma maldade, todas essas falas demonstram o quanto o preconceito para as pessoas com deficiência ainda está enraizado. Momentos extremos acabam trazendo à tona a verdadeira forma como as pessoas encaram a vida de uma pessoa com deficiência, como incompleta, triste e de menor valor.
Um grande engano. Vocês não tiveram o prazer de conviver com o João ou não o viram de verdade.
A realidade não poderia ser mais contrária. Seu valor é imensurável, sua alegria radiante e sua existência foi completa. Então mais uma vez, te convido a rever seus conceitos.
Ao acolher uma mãe ou qualquer pessoa em luto, seja uma despedida de alguém com deficiência ou não, apenas esteja presente (ou se a pessoa não quiser, não force).
Não sabendo o que falar, apenas abrace. No final das contas, nenhuma palavra realmente vai aplacar a dor. Nem é bom que se evite senti-la. A dor é legítima e precisa de espaço para se realizar e cumprir seu papel.
O fato de se tratar da despedida de uma criança, traz ainda muitos outros desafios de acolhimento, um dos principais caminhos da inclusão.
A reação de alguns pais de amigos, ou não, do João e da Maria demonstraram que a falta de diálogo sobre a morte causa muitas dúvidas sobre qual a melhor forma de acolher e lidar com os sentimentos das crianças.
Alguns não permitiram que as crianças fossem se despedir do João por acreditarem que poderia “traumatizá-las”.
Outros usaram o velho artifício da mentira para evitar o sofrimento, como dizer que ele virou uma estrelinha ou fez uma viagem muito longa.
Também algumas das crianças me enviaram cartas dizendo que decidiram não ir, por não se sentirem com coragem para enfrentar a imagem da morte, preferindo guardar a imagem do João vivo.
Como mãe, respeito a decisão de cada pai, mãe e dos próprios jovens. Eu sei que não é uma situação fácil.
Como educadora e neurocientista, acredito em formas mais saudáveis de lidar com a morte na infância, pois entendo que crianças que aprendem a lidar com a morte crescem mais conscientes sobre o valor da vida. Independente de qual forem as nossas crenças sobre o depois, é importante explicar que nossa história aqui é finita, e por isso mesmo valiosa.
A comoção na escola também é algo que temos que olhar com carinho e uma didática pedagógica para tratar a situação em grupo.
Precisamos ajudar as crianças a encararem o luto para que possam aprender com a situação. Se bem feito, é uma grande oportunidade para mostrar o valor da união e da solidariedade para contornar as dificuldades da vida.
Assim como eu, a Maria está aprendendo a lidar com as perguntas dos amigos. Não é fácil, mas evitar que ela elabore suas dúvidas, entendimentos e sentimentos sobre o irmão, com certeza não seria saudável.
Entretanto, é importante que ela não lide sozinha. Todo o grupo precisa ser acompanhado e aconselhado por pais, professores e profissionais para chegarmos num resultado positivo.
Para finalizar, gostaria de usar esse espaço para dizer algumas palavras para o próprio João. Ele continua nos ensinando tanto, seria injusto não o fazer:
“João, você me ensinou a inspirar pessoas. Você me ensinou sobre o amor: você jorrava amor, mas era tanto amor que doía (e muito!). E dar conta desse amor todo não é nada fácil. Pelo simples motivo que nos obriga a aprender a nos amar também.
Motivo que nos faz encarar a verdade escancarada de que para sermos amados nós devemos só amar: quem já amamos, quem não amamos, quem não nos ama, quem nem conhecemos. E talvez seja por isso, João, que muitos não deram conta de você.
Você é a pessoa mais formidável e incrivelmente perfeita que eu tive o privilégio de conviver. Mesmo assim te confesso que no início eu tive muito medo, muita pena e muita insegurança.
Demorei um pouco para entender que a única coisa que eu precisava era de coragem. E você nasceu distribuindo coragem quando escolheu viver.
E eu fui uma mãe que não precisou te ensinar absolutamente nada. Foi você que teve toda a paciência para me ensinar o mundo.
Mas você ainda queria ensinar uma lição né, João? A lição de que eu e tantas pessoas temos medo de encarar: a lição sobre a morte.
Está aí!! Mais uma desconstrução social para aprendermos.
Sua última lição foi ensinar a vermos a beleza na morte! Pois como já disseram por aí, essa dor absurda que eu sinto hoje só pode ser possível porque existe muito amor. Olha quanto amor temos aqui!!
Eu te amo, meu filho. Para sempre!”
Quando não sabemos o que falar, que possamos apenas abraçar… e como as minhas palavras fogem nesse momento minha querida, porque meus olhos falam por mim (em lágrimas), receba o meu abraço bem forte, de urso mesmo, e todo meu amor por vcs e por a história de vida e pós-vida. Um beijo a todos vcs… que vc receba daí o seu beijo João ;-)
Obrigada Vanessa!
Carola, seu Amor é enriquecedor, sua história é uma lição de Vida, de Amor !
Que Jesus abençoe sua família, e que os frutos de seu Amor, preencha sempre seu coração de alegria, confortando os corações alheios, como você confortou o meu !
Seja Feliz !
Carol, te mando amor.
Obrigada por compartilhar conhecimento, amor genuíno e por dar voz a tantas famílias.
Perdi minha mãe há 06 meses nessa luta por covid, e há 14 anos um primo irmão – especial.
Um grande abraço virtual a todos vocês.
Lindo de viver e emocionante de ler, realmente o amor continua além da vida e os laços de vocês são eternos querida amiga. Não consigo dizer que entendo o que você passa mas sim me identifico com alguns pensamentos e sentimentos …..Quando perdi meus pais me questionei se teria futuramente o “direito” de ser feliz e com o tempo descobri que a melhor maneira de honrá-los era ser feliz sempre que pudesse e viver cada dia da minha vida como único :)
Carol, sinta meu abraço bem apertado e com muiiiiiittto carinho.
Só soube da passagem do João agora através desse texto tão sincero, tão amoroso, tão maravilhosamente reflexivo (É preciso ter coragem para viver (e morrer)).
Que João siga sua caminhada de evolução, agora no plano espiritual e você e sua família por aqui, carregando tudo de mais lindo que João deixou na sua passagem.
Um fortíssimo abraço a todos!!!
Flávia
É sempre sobre amor…
Viver o luto me ensinou sobre as muitas as dimensões do amar…
Sinta-se abraçada Carola, seu relato é necessário e urgente!
Carola dá voz a todas as mães que perderam seus filhos. Me senti representada.
Desejo que a jornada siga com a força do João no coração da família.
Carola dá voz a todas as mães que perderam seus filhos. Me senti representada. Desejo que a jornada siga com a força do João no coração da família.
Que bom que a Carola está dando voz a todas as mães que perderam seus filhos. Me senti representada. Desejo que a jornada siga com a força do João no coração da família.
Você tocou no fundo do meu coração e do meu medo. Tenho uma filha especial, hj com 31 anos, anencéfala parcial. Quando do diagnóstico, aos 06 meses de idade, ouvi a pior frase que uma mãe pode ouvir: ” Ela não viverá mais de um ano, considere um milagre ela ter chegado até aqui”. Convivi com o medo da morte, dia após dia. Aprendi a viver e amar um dia por vez. Hoje o meu milagre tem 31 anos. Muitas limitações físicas, mas um sorriso que expressa todo o amor do mundo. Obrigada por compartilhar o seu aprendizado.
Carola, que palavras lindas. Entendo o seu momento. Há 6 anos, o nosso João Gabriel (tinha 7 anos) foi acometido por um câncer raro e sem cura. Passamos 2 meses lutando, mas hoje reconheço que já era a nossa despedida. Tenho mais 3 filhos e escolhemos seguir entendo que não perdemos os anos posteriores com ele, mas tivemos o privilegio de conviver 7 anos com alguém tão especial. Aprendemos tanto com ele nos últimos momento. O luto é necessário e como vc disse nós é que fazemos escolhas em como iremos passar por isso. Desejo lhe força para vc e sua família e sinta-se abraçados por nossa família. Um abraço Fábia Spadoto
Carola, a palavra que fica é amor.
Amor este que transbordou e se transformou em algo tão poderoso: A turma do jiló.
Obrigada pelo texto tão genuíno, aberto e profundo.
Obrigada ao João, pela sua vida, que nos trouxe tanto, tanto aprendizado.
Um beijo no teu coração, amiga querida.
Parabéns Carol,
Mais uma vez João Jiló vem ao nosso encontro com muito a dizer.
Fique bem e se cuide.