A violência conta mulheres começa muito antes do crime. Começa na forma como educamos emocionalmente nossos meninos…e no que escolhemos ignorar ao longo desse caminho.
A violência contra mulheres segue em níveis alarmantes no Brasil: em 2024, foram mais de 1 milhão de chamadas ao 190 por violência doméstica e 37,5% das mulheres relataram algum tipo de agressão no último ano.
Mas, e se o problema começar muito antes do crime?
Neste post, Fernanda King – mãe, neuropedagoga e diretora da escola Petit Kids – propõe uma reflexão profunda sobre a formação emocional dos meninos, o impacto das telas, da pornografia precoce e dos padrões aprendidos na infância.
Te trazemos neste post um convite urgente para repensarmos a educação, prevenção e responsabilidade coletiva. Então, vem com a gente nessa leitura!
O Brasil convive com números persistentes e elevados de violência contra mulheres, apesar do avanço de leis e campanhas de conscientização. Dados recentes mostram que o problema segue estrutural e que respostas focadas apenas na punição não têm sido suficientes para conter o fenômeno.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o país registrou mais de 1 milhão de chamadas ao 190 relacionadas à violência doméstica ao longo de 2024, uma média próxima de duas ligações por minuto. No mesmo período, mais de 555 mil medidas protetivas foram concedidas pela Justiça, com aumento também nos casos de descumprimento dessas ordens.
Já a pesquisa Datafolha/FBSP, divulgada em 2025, aponta que 37,5% das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses, incluindo agressões físicas, psicológicas, ameaças e perseguição. Especialistas alertam que parte significativa desses episódios sequer chega a se transformar em boletins de ocorrência, o que indica subnotificação.
Embora existam divergências pontuais entre bases de dados sobre a variação anual dos feminicídios, o consenso entre pesquisadores é claro: a violência contra mulheres permanece em nível crítico no país.
Então, onde começa o problema?
Ao observar o debate público, tenho a sensação de que ele costuma se concentrar no momento final da violência, quando o crime já aconteceu, e ignora uma dimensão essencial: a formação emocional e social dos meninos.
Quando a gente olha apenas para o boletim policial, chega tarde demais. A violência começa muito antes, na forma como esses meninos foram educados para lidar com frustração, limites e emoções.
Existe um padrão recorrente na socialização masculina no Brasil. Meninos são incentivados a reprimir sentimentos, não demonstrar medo, tristeza ou vulnerabilidade. Com o tempo, essa repressão emocional tende a se converter em explosões de raiva, controle e agressividade.
Não é coincidência que os homens liderem as estatísticas de suicídio e, ao mesmo tempo, sejam os principais autores de violência contra mulheres. Estamos falhando em ensinar esses meninos a lidar com o que sentem.
Telas, pornografia e ausência de mediação adulta
Outro ponto que não pode ser ignorado é o impacto do uso excessivo de telas desde a infância. Sem supervisão adequada, crianças e adolescentes passam a consumir conteúdos violentos, sexualizados e pornográficos de forma precoce.
Isso tem consequências diretas nas relações afetivas futuras. A pornografia não educa para o afeto; educa para o domínio, para a objetificação. Quando esse conteúdo vira referência, o outro deixa de ser sujeito e passa a ser coisa.
Estudos nacionais e internacionais apontam essa associação. No Brasil, pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicam relação entre exposição precoce à violência simbólica, dificuldades de empatia e comportamentos agressivos. No cenário internacional, relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da American Psychological Association (APA) destacam correlação entre consumo de conteúdos violentos, dessensibilização emocional e maior propensão a comportamentos agressivos na vida adulta.
Ciclos de violência contra mulheres que se repetem
A violência doméstica também se reproduz por meio de padrões aprendidos na infância. Crianças que crescem em ambientes marcados por agressões físicas ou psicológicas tendem a naturalizar essas práticas como forma de resolver conflitos ou expressar afeto.
A criança que apanha e ouve que isso é amor cresce com referências emocionais distorcidas. Mais tarde, pode repetir o que aprendeu, seja como agressor, seja permanecendo em relações abusivas.
Educação como prevenção
Políticas públicas eficazes precisam ir além da repressão penal e investir de forma consistente em prevenção. Isso inclui educação socioemocional desde a primeira infância, formação de professores, orientação às famílias e mediação responsável do uso de tecnologias.
A escola tem papel central, mas não exclusivo. Educação socioemocional não é atividade decorativa. É ensinar a nomear emoções, lidar com frustração, respeitar o outro. Mas isso só funciona quando família e escola caminham juntas.
E as meninas?
Essa responsabilidade não termina na criação dos meninos. Precisamos também educar meninas para que não aceitem nenhum tipo de abuso, seja físico ou psicológico. O primeiro grito, o primeiro empurrão, o primeiro soco na parede já são sinais claros de violência. Não é para relevar, não é para romantizar, é para se afastar.
Criar meninas com auto-estima sólida, senso de valor próprio e consciência de seus direitos é parte fundamental da prevenção. É preciso estimular denúncias, ensinar que amor não machuca e que controle não é cuidado. Da mesma forma, é essencial compreender que ambientes familiares agressivos deixam marcas profundas. Meninas que crescem vendo pais violentos têm maior risco de normalizar esse padrão em relações futuras.
Responsabilidade coletiva
No fim das contas, não se trata apenas de criar meninos ou meninas. Trata-se de criar cidadãos conscientes. A violência contra mulheres não é um problema individual, é um problema social. Vivemos em comunidade, e isso exige responsabilidade coletiva.
Educar emocionalmente nossas crianças, estabelecer limites claros, mediar o uso da tecnologia, romper ciclos de violência e construir relações baseadas em respeito é tarefa de todos nós. O futuro que queremos começa na forma como escolhemos educar hoje.
Por fim, se gostou desse post, leia também: “Infância e Adolescência em Jogo: Entre Telas, Emoções e o Papel da Família” e “Inteligência Artificial e Nossos Filhos: Medo ou Oportunidade?”.
Sobre a Prof. Especialista Fernanda King
Instagram: @FernandaKing_Palestrante
Neuropedagoga, Mestre em políticas públicas pela FGV, escritora, palestrante e diretora escolar. Com mais de 20 anos de experiência na gestão de pessoas, Fernanda é referência em neuroeducação, inclusão, inovação e ambientes de aprendizagem humanizados. Sua atuação abrange palestras, congressos, consultoria para escolas e produção de conteúdo de alto impacto nas redes sociais.









