Será que o segredo para proteger nossos filhos dos vícios está no ambiente ao redor? Descubra o que o experimento dos ratos tem a ver com isso.

Oi Mamães e Papais, vocês já pensaram em como podemos proteger nossos filhos dos vícios — de forma prática e afetiva?
Neste post, nossa colunista Mariana Ruske – Pedagoga e fundadora da Senses Montessori School – traz insights valiosos inspirados em um experimento científico fascinante: o Rat Park.
Descubra como conexão social, propósito e movimento são as verdadeiras vacinas contra vícios como telas, jogos e cigarro eletrônico. Um conteúdo necessário, atual e cheio de ideias aplicáveis no dia a dia.
Então, vem com a gente nesta leitura de hoje!
O problema dos vícios
Lesão pulmonar, problemas cardiovasculares e câncer não impedem que 1 em cada 5 jovens brasileiros usem cigarro eletrônico. Apesar da proibição de venda no Brasil desde 2009, o uso cresceu de 19,7% em 2022 para 23,9% em 2023. A nicotina causa dependência e a influência de redes sociais e a busca por aceitação social impulsionam o uso.
Cerca de 28% dos adolescentes brasileiros apresentam sintomas de Transtorno de Jogo pela Internet. O TJI envolve uso excessivo de jogos online, levando a desinteresse por escola, família e vida social. Fatores de risco incluem o escapismo (jogar para esquecer problemas) e falta de atividades alternativas.
Entendendo o vício
Estudos sobre vício realizados nas décadas de 1960 e 1970 colocavam ratos em gaiolas pequenas com duas opções de bebida: água pura e água misturada com drogas (geralmente morfina ou heroína).
Quase sempre os ratos escolhiam a água com droga, consumiam até overdoses e morriam. Esses resultados foram usados para reforçar a ideia de que certas drogas são inerentemente viciantes e alimentaram políticas de combate às drogas, cigarro e álcool.
Bruce Alexander, psicólogo e professor canadense, achou que esses experimentos tinham um problema: os ratos estavam em condições artificiais, deprimentes e estressantes (isolamento, gaiolas apertadas, sem nada para fazer). Ele, então, se perguntou: e se o ambiente mudasse?
Para testar isso, ele criou o Rat Park: o mesmo experimento, um contexto bastante diferente.
O Rat Park era o paraíso dos ratos, com um espaço 200 vezes maior que as gaiolas padrão, túneis, brinquedos, bolas coloridas, comida farta e outros ratos para interagir e brincar. Os ratos continuavam tendo acesso às mesmas duas opções de bebida: água pura e água com morfina.
Neste novo ambiente, os ratos consumiam muito menos morfina (cerca de 19 vezes menos). Alguns até experimentavam a droga, mas preferiam a água pura. Nenhum morreu de overdose. Ratos já previamente viciados, uma vez transferidos para o Rat Park, reduziam ou paravam de consumir a água com drogas, mesmo enfrentando sintomas de abstinência! (Gente isso é incrível!)
O experimento mostra que o vício não é “apenas” uma questão neuroquímica, mas também psicológica e profundamente ligada às condições de vida. Ratos em um ambiente com estímulos, socialização e “razões pra viver”, tinham menos interesse em drogas, mesmo quando elas estavam disponíveis.
O caso dos humanos
Seres humanos são, certamente, muito mais complexos, e não podemos deixar de lado o amplo leque de variáveis que cercam o problema, em especial para uma criança ou adolescente.
Mas podemos, sim, trazer lições valiosas para ajudar nossa família a se proteger de um leque de ameaças que nos cercam: as drogas, o vício em telas, alcoolismo, cigarro, cigarro eletrônico, jogos online, etc.
Assim como a autoestima e autoconfiança são os principais agentes protetores contra bullying e grupos maliciosos, o ambiente é a arma mais eficaz que temos contra vícios e comportamentos de risco.
O ambiente que oferecer estes três pilares é a vacina natural que todos precisamos, desde pequenos:
Conexão Social: O vício muitas vezes é uma resposta à solidão, ao isolamento ou à ausência de pertencimento. Humanos são seres profundamente sociais. Quando faltam laços saudáveis, buscamos alívio em comportamentos autodestrutivos, como drogas, jogos excessivos ou até redes sociais.
Amizades verdadeiras, vínculos familiares e comunidades acolhedoras são o alicerce da felicidade. Relações de qualidade nos ajudam a processar traumas e a construir uma autoimagem positiva, reduzindo a necessidade de “escapes” artificiais.
Propósito: Ter um senso de propósito é como uma bússola que guia nossas escolhas. Propósito significa encontrar significado nas pequenas e grandes ações: estudar, criar, ajudar os outros ou perseguir um objetivo ou valor.
A falta de direção pode amplificar o vazio interno, deixando espaço para vícios. Cultivar paixões e um senso de contribuição, desde cedo, fortalece a resiliência.
Movimento: O corpo em movimento é um antídoto natural contra o estresse e a ansiedade. Atividades físicas, como correr, dançar ou até caminhar na natureza, liberam endorfinas e regulam o sistema de recompensa do cérebro, reduzindo a dependência de estímulos externos como nicotina ou telas.
O movimento não é só físico, mas também mental como buscar novas experiências e aprender continuamente mantém a mente engajada e menos vulnerável a padrões destrutivos.
Encontrando o caminho para proteger nossos filhos dos vícios:
Algumas vivências constroem um forte senso de comunidade, além de hábitos físicos e intelectuais que podemos levar por toda a vida.
Esportes: Praticar esportes promove movimento físico, dá propósito e fortalece a resiliência por meio da superação. Todo esporte também cultiva o senso de time, grupo e comunidade, criando laços que combatem o isolamento. Dados do IBGE (2022) mostram que apenas 30% dos jovens praticam esportes de forma regular.
Espiritualidade: Embora as religiões tradicionais estejam perdendo espaço, a busca por espiritualidade segue em alta: 89% dos jovens brasileiros acreditam em Deus ou algo superior (Ipsos, 2023).
A espiritualidade oferece pertencimento e conexão com algo maior, funcionando como um antídoto contra o vazio que leva a vícios. Muitos jovens buscam isso online, em meditações guiadas no YouTube, grupos de astrologia no TikTok ou práticas holísticas.
Líderes espirituais devem adotar uma linguagem acessível para criar comunidades digitais e presenciais de apoio, empatia e cooperação, acolhendo os jovens sem julgamentos.
Escola: É onde crianças e jovens passam grande parte do dia, formando amizades de infância e admirando professores que se tornam mestres lembrados por décadas. Precisamos de escolas acolhedoras, que olhem além de notas, performance e cobranças.
As escolas devem investir em uma cultura de desafios, propósito e inspiração, lembrar que a criança e o adolescentes saudáveis querem aprender e construir. Mas eles precisam de nós para ajudar nesse caminho.
Os ratos do Rat Park estavam tão envolvidos em produzir (em termos de roedores) que literalmente viam a droga como algo que os atrapalhava, e a rejeitavam.
Então, está nas nossas mãos criar esse ambiente para as próximas gerações e proteger nossos filhos dos vícios. Que o que nos mova seja a motivação e não o medo, a cenoura e não o chicote. Dessa forma nossos adolescentes não precisarão “fugir” de nada, e sim aspirar por desafios e crescimento.
Assim como no Rat Park, o ambiente é o segredo, sempre.
Por fim, se gostou desse post da Mariana Ruske, aproveite para ler também: “Adolescência e Bullying: Não podemos mais adiar essa conversa“. E ainda, se você interessou pelo trabalho do Bruce Alexander você vai gostar desse livro: “The Globalization of Addiction: A Study in Poverty of the Spirit“.

Sobre a Mariana Ruske
Instagram: @SensesSchool
Pedagoga há 12 anos, fundadora da Senses Montessori School e mãe de dois meninos cheios de energia. Especialista em Montessori, já foi engenheira e astrônoma, antes de se render ao fascínio pelo cérebro humano.
Palestrante e ativista, luta pela proteção das crianças contra abusos e violência, acreditando que a educação infantil é a base de uma vida saudável e uma sociedade justa. Para ela, Montessori é o segredo para criar filhos por inteiro — mesmo nos dias mais bagunçados!