Quando uma mulher se torna mãe? Ao receber teste positivo? Ouvir o coração bater? Comprar a primeira roupinha? Sentir mexer no ventre? Parir? Pegar no colo? Amamentar? Ah, sim, ter a certidão da adoção? Hoje vamos falar das mães invisíveis e a realidade da dor do luto materno.
Para cada dez mulheres que engravidam, pelo menos duas se tornam “mães invisíveis” e passam pela dor do luto materno. Elas não irão às festas na escola, não receberão presentes e não vão sentar à mesa do café de Dia das Mães da firma.
Algumas se tornam invisíveis logo nas primeiras semanas após a gravidez, às vezes não chegam sequer a serem “vistas” mães, por aqueles que estão mais próximos.
Outras botam barriga, montam quarto, fazem book, enxoval de roupas, planos e sonhos.
Ah! Além do beta positivo ou do filete com duas listinhas vermelhas, ainda colecionam exames, batidas de coração, registros 3 e 4d, fotos e mais fotos no rolo da câmera, no feed…
Ou até tem um perfil que “prove” a sua maternidade.
Essas mães tiveram que se despedir de seus filhos precocemente, muitas não escutaram seu choro, ou puderam amamentar, ou puderam permitir que eles adormecessem em seu colo.
Em algum momento da gestação – primeira semana, primeiro mês, quadragésima semana, ou mesmo logo que eles vieram ao mundo – experimentaram o trágico encontro da vida com a morte. E assim, tiveram que se despedir de seus bebês.
De repente, tudo vira pó, conto de fadas, tragédia, delírio, ou como elas costumam ouvir não raras vezes: algo a ser superado.
Superado, esquecido, deixado para trás.
Logo que a perda acontece, elas ainda recebem luz e nome. Essa luz mostra um corpo que sangra, às vezes cortado. Outras com seios que choram a ausência do bebê, ou que não puderam chorar: foram enfaixados, escondidos. Lágrimas em forma de leite materno contidas, negadas, silenciadas.
Não muito depois, vem o anonimato, a sombra, a invisibilidade. Quanto tempo?
Às vezes 7 ou 15 dias depois – tempo de uma licença médica em casos de abortamento. Outras, até 4 meses – duração da licença maternidade que uma mulher tem o direito de gozar, em caso de bebê natimorto a partir de 22 semanas.
Na sua volta, as pessoas evitam tocar no assunto.
Essa estranha e equivocada forma de poupar a mulher – que já sofreu tanto – fala muito mais do quanto não sabemos lidar com esse inusitado e inédito encontro da gravidez com a morte. E essa mulher/mãe chora, soluça, geme, se esconde: no banheiro, à noite em seu travesseiro, na rotina, nas urgências.
Ela experimenta culpa de diferentes formas e motivos: pela perda, por não ter sido “capaz” de levar a gravidez ao fim, por não conseguir seguir com a vida, por seguir com a vida – e isso significar perder mais uma vez seu filho.
Algumas conseguem se reconhecer em outras e nesse encontro, compartilham segredos e dores.
Reúnem-se. Grupos virtuais, grupos terapêuticos, curtidas, falas de apoio na rede social em perfis que acolhem essas mães.
Elas sentem como se tivessem entrado para um tipo de sociedade secreta, onde podem se sentir vistas, reconhecidas e acolhidas. Falar do amor, da dor, da saudade que as-invade, sempre e todos os dias desde que seus filhos partiram e elas “deixaram de serem mães”.
Há perguntas importantes que podem nos ajudar a seguir com a reflexão: Quando uma mulher se torna mãe? O que define? Qual o contorno? Receber teste positivo? Ouvir o coração bater? Comprar a primeira roupinha? Sentir mexer no ventre? Parir? Pegar no colo? Amamentar? Ah, sim, ter a certidão da adoção?
E eu até arrisco seguir provocando, cutucando mais um pouquinho: Alguém deixa de ser mãe?
Você aí, com seu bebê no colo, ou acariciando agora sua barriga, ou ouvindo o filho chamar no cômodo ao lado, consegue imaginar que na ausência do seu filho você deixe de ser mãe?
Consegue imaginar, na ausência dele que você deixe de sentir todo esse amor, ou todas as consequências das transformações que a maternidade trouxe para a sua vida?
O limite é fluido, e particular. O filho começa a ser gerado, de alguma forma, muito antes até mesmo da concepção, e não há diferença para filhos planejados ou não.
E ai, no instante que essa gravidez é desvelada, um mundo se abre. Um mundo de possibilidades e desafios, e sonhos e vida. Uma transformação psíquica avassaladora se desencadeia naquela mulher.
E o tempo é só um detalhe. Um mero registro num calendário que não mede nunca o tamanho do amor, ou do quanto essa mulher se entende, ou se sente mãe.
Então, o que quer uma mulher que perdeu o seu bebê durante a gravidez, ou logo após o parto? O que pode de alguma forma aquecer seu coração? Aplacar o vazio? Restaurar o buraco aberto no peito?
Ela só quer continuar sendo mãe. Quer poder lembrar-se de seu filho. Falar dele. Falar do que sentiu enquanto eles estavam juntos no tempo que puderam compartilhar a vida. Ela quer poder falar o nome dele sem que as pessoas se sintam constrangidas.
Uma mãe só quer que seu filho possa existir. Mesmo na dor do luto materno, no vazio, na ausência.
E assim, ela quer encontrar outro espaço para ele nos planos que ela fez. Ela quer que ele continue tendo lugar. Um lugar diferente que fala de dor, despedida, morte, amor e do recomeço.
E um dia ela, sem vergonha, com saudades, nunca mais inteira.
Mas integrada em sua perda, poder ser vista e reconhecida por si, pelos outros:
Mãe.
Por fim, aproveite para ler “Aborto Espontâneo: Quais são as Possíveis Causas?” e “O que precisamos saber sobre aborto espontâneo“.
Por: Fernanda Maciel – Psicóloga Clínica, que se especializou no luto materno após sua perda gestacional. (IG: @fernandamacielpsi | @tecer.psi)
Via: Gestar